sexta-feira, 3 de julho de 2009

Apologia do crime

Apologia do crime
Sitônio Pinto

Um dos restaurantes mais badalados da Paraíba, que explora o gênero de cozinha típica, ou regional, utiliza como identidade mercadológica o tema do cangaço. Seus funcionários apresentam-se vestidos de cangaceiros, encartucheirados e de faca à cinta. Logo à entrada, como recepcionistas, os bonecos (gimmicks) de um casal de facínoras que chefiou um bando de celerados e aterrorizou a família e a população rural nordestinas na primeira metade do século. Os gimmicks estão devidamente vestidos à caráter, chapéu de couro, lenço ao pescoço, embornais, alpercatas, roupa de mescla, fuzis (paus-furados) a tiracolo. Somente a cara não aparece, pois deixa um vazio para os otários pousarem, por detrás da macabra figura, o seu rosto aparecendo no lugar da carantanha dos bandidos, como se eles fossem.
Lembro-me de Raymundo Yasbeck Asfora, numa das noites temperadas de Campina Grande, advertindo: “já é tempo de a Paraíba adotar outra marca diferente de seca e cangaço”. Tempos depois, o poeta e orador cearense, adotado paraibano, tombava assassinado pelo cangaço remanescente na Serra da Borborema.
A observação de Asfora nunca me saiu da lembrança. Foi assim que criei e dei à Paraíba seu slogan “Onde o sol nasce primeiro”, encomendado por Gonzaga Rodrigues, quando este era Secretário da Comunicação do primeiro governo Burity. Fizemos um filme, arrematado pelo slogan no final, com a participação do próprio Gonzaga, de Martinho Moreira Franco, de Luiz Augusto Crispim e de Chico Mozart. Os dois útimos já morremos. Gonzaga me pagou e me deu o crédito do filme, numa crônica intitulada O Pau da Paraíba, publicada na sua coluna e perpetuada no seu livro Filipéia e Outras Saudades, pp 16/17. E o slogan perdura até hoje, propagado boca-a-boca e nos meio de comunicação do País.
Mas não é só o restaurante “regional” que difunde a ideologia do cangaço associada à Paraíba. Um dos mais conhecidos colégios desta Capital das Acácias (que bela marca, esta que o poeta Jomar Souto deu a sua cidade!) usou, como figuras decorativas de seu São João, as figuras macabras do casal de cangaceiros.
Não sei o que o tema “cangaço” possa a ter com o São João ou com a Paraíba. Além de estranha à temática joanina, a execrável dupla de bandoleiros não é paraibana. O bandido é pernambucano de origem cearense, pois seu pai saiu arribado do Ceará, onde cometeu um crime, para se homiziar em Vila Bela, Pernambuco; e a bandida é baiana, de onde saiu após chifrar e largar o marido para entrar no cangaço, roubar e matar o povo.
A Paraíba tem outros nomes e outros valores. Só na Academia Brasileira de Letras já colocou sete de nomes. E o índice de homicídios da Paraíba é um dos menores do Brasil: o 24º lugar entre 27 estados, em que pese a propaganda em contrário, como essa do restaurante e do colégio burgueses. Seria bom que o Ministério Público conferisse se o procedimento dessas instituições se enquadram no art. 287 do Código Penal: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.”
A família paraibana, enlutada, agradece.